segunda-feira, 23 de abril de 2007

O dinamismo vivido no espaço da Casa na sexta-feira 13 de inauguração foi surpreendente. Contando com o excesso de acontecimentos marcados para esse dia em outros cidades (Lisboa e Porto), a Casa esteve cheia. Com um público novo, de todas as idades e muito interessado.

Sexta-feira ao jantar trouxeram-me nabos de um quintal ainda cheios de terra, alheiras, muito vinho, bombocas, arroz, massa, atum e bolos variados. As panelas eram emprestadas, tal como tudo o que eu estava a usar, salvo as tigelas que se compraram à pressa. À última da hora ainda se desenrascou uma “concha” da sopa numa casa vizinha que iria ser precisa para a sopa. O jantar foi servido a tempo e quem estava para jantar aceitou as condições da multa como um jogo (em troca da refeição, alimentos ou serviços de limpeza e manutenção). Não conhecia mais de metade dos “clientes” o que me deixou muito contente. Estava a funcionar fora do circuito dos amigos habituados a “cenas” semelhantes! O ritual de lavagens da louça no bidé também não foi uma chatice tão grande quanto suspeitei ao inicio. Correu bem toda a parte da cozinha menos a sobremesa pela qual já me desculpei. Os dois cozinheiros (eu e o Mauro Seco – os Come Gomas) trabalharam bem em grupo e receberam muitos elogios!

A rádio Phonix que acompanhou todo o jantar e que se prolongou até ao início dos concertos, surpreendeu-me. A dada altura alguém comentou que a rádio não estava bem sintonizada. Parecia muito real e as introduções do radiofonista (Luís Eustáquio) eram credíveis. A selecção musical estava de acordo com a Casa.


Mais tarde o concerto de “Os meteoritos” (Calhau). Não consegui assistir, nem tive oportunidade de experimentar os headphones (única maneira de aceder à música). Contaram-me que foi um grande concerto. Não me surpreende, eles são realmente muito bons, quer pela música, quer pelo lado visual dos concertos. Já lhes pedi que me oferecessem uma t-shirt, desenhada por eles, a dizer que eles são uma grande referencia para mim. Quero usá-la num concerto!
Durante os “Os meteoritos” eu já estava no espaço dos concertos para começar mais uma divagação dos Flanela de tal. Estávamos os dois na preparação da indumentária metidos lá dentro com as cortinas fechadas com medo de nos intimidarmos com o público. Por um desencontro de informação e pela ansiedade que sentíamos, começamos antes do final do outro concerto anterior (peço novamente desculpa pelo incidente! Sorry Marta!). Mais um concerto e tentarei ser mais profissional e cantar música com mais de 2 minutos. O guitarrista (Mauro Cerqueira) esteve muito bem a “suportar” a vocalista e vice versa. Os vídeos serão disponibilizados em breve online.



Desde o início que eu sabia que a Casa só o ia ser uma Casa a sério com a circulação e a vivência de tanta gente a entupir os corredores, a fazer fila para a casa de banho e a interagir com tudo. E isso sentiu-se muito nos concertos!



A Casa tinha uma parede em cartão falso para dividir a sala de projecção da sala de workshops. A superfície foi pintada de preto para que no Sábado, durante cada actividade, fosse usada como suporte de escrita tal como uma quadro negro das escolas. Ainda na sexta à noite, em frente a essa parede pequenos grupos se juntaram para desenhar. De manhã encontrei tudo desenhado. Foi lindo. Sábado os desenhos estavam espalhados pelo chão.




No Sábado 14 o almoço, “Quem dá o que tem, a mais não é obrigado!”, foi comer torradas com manteiga quentes e sopa aquecida. A Hora Morta (promovida pelo André Sousa) passei-a andar no carro que fiz com uma tábua e uns rolamentos que parece um skate, cá fora no pátio. O carro fazia parte do cenário da Flanela e tinha-o usado na noite anterior. Quando o André ligou era isso mesmo que eu estava fazer naquele tempo pós almoço. Pouco depois deixei-me estar ao sol a organizar a ementa para a noite em conjunto com o Mr Wacky. O ensaio da Kim Ferno não foi possível acontecer como planeado, a Kim estava sem forças para se preparar para outra aventura e não foi desta que se conheceu o género Babymetal.


Passamos para a “A ferro quente” na companhia da rádio Phónix! A tarde foi bastante animada com os dois cozinheiros a prepararem os toppings para a sobremesa, litros de gelados, a Lígia (Paz) a dar a ferro com uma indumentária a rigor (Estado Novo) e a música escaldante do radiofonista. A cada panela quente que saía (compota de limão, de morango e chocolate) convergiam todos para provar. À hora de jantar chegaram muitos amigos que ocuparam a pequena cantina. Igualmente agradável a companhia dos amigos como na noite anterior a de tantos estranhos. A comida estava bastante boa e serviu-se a quantidade certa sem deixar restos (muito importante para a economia da Casa).

A surpresa deste segundo dia foi a mobilidade. A circulação foi mais livre que no dia anterior. A cozinha foi usada até tarde e já pouco dependia de mim. Era uma casa com vida própria. Os djs começaram (Dj Bitch e Dj Youtube) com força e ainda se dançou no pátio, mesmo em frente à parede do graffiti, ao ritmo da Dj Bitch (Lígia Paz) que teve mais sorte com a sua escolha e organização da sequência musical. O Dj Youtube (Marco Mendes) surpreendeu, mas a web estava demasiado lenta para ser bem sucedido nas passagens.


Exausta e muito satisfeita com a Casa, senti que devia-me afastar por uns minuto. Sai para a rua e senti que a casa já não era tão minha quanto no início. Chegada a esta conclusão percebi que este tinha sido o reconhecimento do seu êxito. Podia sair dali descansada sabendo que aquela animação se manteria por muito mais tempo. O que eu fiz foi só o arranque.

No pátio estava escrito nas paredes duas frases, uma roubada das ruas do Porto e outra das Mujeres Creando da Bolívia, “não faças do teu pensamento blocos de cimento” e “ a nossa vingança é sermos felizes”. Estas frases vão ser apagadas possivelmente esta noite, mas permaneceram em todos nós por nos lembrarem de coisas importantes!

(continua em breve!)

A EXPERIÊNCIA DO SIMULACRO



1. Embora este não seja o assunto principal
Em diferentes ocasiões expressei a minha posição para com o universo da web e, em particular, para com a utilização dos blogs como meios de veiculação de conhecimento, de transmissão de informação, de comentário e discussão pública. A pretexto de um comentário aqui postado, gostaria mais uma vez de confirmar o que penso sobre o assunto. Embora não seja esta a questão que me levou a sentar-me por uns instantes a escrever, é um assunto recorrente que, meia volta, cria alguns equívocos à cerca do que é ou não próprio do meio e o que pretendemos fazer com ele. A web permite-me entrar num circuito de informação alternativa. Não será, por questões de policiamento inerente ao sistema que gere este meio, informação absolutamente livre, ou pelo menos tão livre quanto desejaríamos, mas é uma excelente alternativa aos principais meios de comunicação. Sempre tive um gosto muito forte por fanzines (refiro-me a este outro meio com muito e saudoso respeito) e revejo-me nos blogs por conseguir através deles uma compensação próxima à das publicações impressas que eram (ainda que com muita dificuldade) distribuídas e postas em circulação. Tal como nos fanzines os temas dos blogs são diversos e para mim passear-me pela web / blogosfera é como percorrer uma imensa enciclopédia que só aqui poderia existir. Encontrar uma receita de culinária de curry tailandês, saber que alguém se barricou num museu, encontrar um novo autor de novelas gráficas que ainda não se afirmou no mercado, ou ver as fotos de um amigo amador, são alguns dos meus bons encontros nos blogs.

2. A chatice
Uma outra vantagem que encontro nos blogs é a imediatez com que se processa e se faz chegar informação. De facto queimam-se etapas para se publicarem “notícias”. Não há material impresso, mas há registo, portanto, pouco se perde e muito se ganha. No entanto, a imediatez também pode ser uma grande “chatice”. Por vezes é demasiado fácil cair-se na expressão do que vai à flor da pele e aproveitar este meio para uma confissão descarada do que se andava a moer à meses, dias e anos. Neste caso, os blogs são o abrigo dos pouco corajosos que se escondem atrás de um arbusto e de vez em quando lançam mais uma lenha para a fogueira, na plena convicção que estão a construir uma discussão séria e absolutamente necessária. Pois para mim, que tenho outros interesses e objectivos que não passam por ser uma opinion maker a tempo inteiro e que tenho falta de disponibilidade para permanecer muito tempo online, e que partilho o meu quotidiano com a web apenas numa relação de 80% e 20%, preferia deixar para a web a circulação de informação e ter uma agradável discussão num sítio qualquer e desenvolver o assunto de forma mais proveitosa para ambos os lados.

Obviamente que o que fazemos do meio depende do que queremos fazer dele. Este permite muito, é imenso, mas os limites somos nós que os impomos. Eu imponho os meus para mim.

3. O comentário
O comentário feito à casa é revelador de um certo desânimo, de desconfiança e intolerância não só em relação a este projecto, mas às “coisas” em geral. Responder-lhe-ei por ter interesse em reafirmar a minha convicção inicial e pela possibilidade de transpor o comentário num post, ou seja convertê-lo em mais uma pequena informação.

Quando escrevi o último texto sobre o fecho da casa pensei que se tornassem ainda mais claros os meus objectivos com esta ideia de residência comunitária/troca de talentos e as razões que levaram ao seu encerramento. Como sempre, penso que posso ambicionar chegar, e fazer-me entender, a um grupo considerável de pessoas, mas não a todos. Existirão sempre mil maneiras de ver o que está diante de nós (chamar-se-á a isto interpretação!) mas como se sabe, a realidade (ou a verdade) é sempre a de cada um.

4. A encenação
O terceiro paragrafo é para mim o mais importante no texto, é precisamente a resposta mais pronta que lhe posso dar.
|-“Era a experimentação de um modelo que se propunha, nada de novo no contexto dos artist run spaces, das casas okupadas, das pequenas comunidades de artistas e de outros grupos. Mas era uma experiência que tinha que urgentemente ser reproduzida, sem qualquer problema de ser engolida pelo passado onde podemos reconhecer situações semelhantes a esta, porque teve desde o início um sentido próprio, inabalável, o de nos lembrar coisas simples como a partilha, a troca, a generosidade, a tolerância e a criatividade.” - |

Sem me repetir, dir-lhe-ia que a casa foi esteticamente encenada, preenchida e decorada mas não se deve confundir este artificio com a vivência da casa. O mobiliário, a pintura e cortinados pertenceram mutuamente ao necessário e ao supérfluo, ao útil e ao decorativo, porque as casas das pessoas são mesmo assim e porque nunca uma experiência teria lugar na casa se não houvessem condições para tal. Mesmo, aqui, a decoração teve a sua utilidade uma vez que tornou o ambiente confortável. A experiência que foi provocada e positivamente respondida, é o aspecto que jamais podia ser encenado nem decorado.

5. Legitimidade para fazer juízos
Obviamente que acho que é natural que alguém me diga que eu não estou a ter uma experiência real perante uma determinada situação, ainda que eu assegure que sem dúvida alguma que estou e abane a cabeça repetidas vezes com extrema convicção. A experiência de cada um tem uma validade para o próprio. Se não há acordo, não há nada a fazer, não é este o seu barco (ver mural quando estiver disponível a foto)! Eu propús uma experiência, um modelo, ao qual esperava aderência, e sei que este se tornou parte da realidade, com valor para quem lá esteve e para quem não esteve mas que se revê neste projecto. Pessoalmente considero que a missão foi cumprida.

6. O fim e a estupidez
Retomando o tema das “duração das coisas”. Tomo como uma ofensa que alguém realmente muito estúpido me diga que foi a fragilidade do projecto que o fez terminar abruptamente. Talvez o meu texto tenha sido brando demais e não o tenha esclarecido. As reais razões do fecho da casa, refiro-me às razões que importam referir e não às menores, relacionam-se com a falta de viabilidade de uma situação destas se inserir no nosso dia-a-dia e de se tornar permanente. Se calhar não foi a fragilidade mas a força do projecto que o levou ao fim. Deveria ter equacionado esta perspectiva antes de qualquer outra. Não querer ver deste lado, demonstra, à partida, má vontade.

7. O projecto e a sua larga escala
A casa envolvia muita gente, que simultaneamente eram actores e espectadores, porque todos podiam entrar na casa com um encargo e aderir a outro. Isto, enquanto foi possível, saiu fora do encenado e do previsto, foi autêntico e teve uma vida exterior a mim e a quem esteve ao meu lado na preparação da casa. Passados estes dias, o que melhor me recordo é ter saído à rua, Sábado à noite, e olhar de longe para a casa e vê-la a funcionar por si, enchendo-se pelo cruzamento e interacção das pessoas umas com as outras e com o espaço. Tudo o que eu fiz foi pegar no espaço que me foi cedido para o abrir e devolver aos outros. Fazendo uso do teatro como exemplo, tinha um palco e dei o palco ao público e disse: subam e actuem.